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20 de Abril de 2024

STJ entende pela possibilidade de alteração de registro civil sem cirurgia de adequação de sexo

Publicado por Flávio Tartuce
há 7 anos

Transexual tem direito a alterar registro civil mesmo sem cirurgia

Fonte: Migalhas.

Ema decisão inédita na 4ª turma do STJ: acompanhando o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, o colegiado garantiu o direito a transexual que não realizou cirurgia a alterar o seu registro civil.

O caso julgado é de uma pessoa que, nascida homem, atualmente vive em Paris, em união estável com francês, trabalhando em salão de beleza e assumindo em tudo as características do gênero feminino.

Superação de preconceitos e estereótipos

No voto paradigmático, o ministro Salomão destacou a missão constitucional da Corte de guardião e intérprete da legislação Federal, funcionando como verdadeiro “Tribunal da Cidadania”, considerando a dinâmica das transformações sociais. Assim sendo, ponderou, o exame da controvérsia reclama:

A superação de preconceitos e estereótipos, bem como o exercício da alteridade, isto é, a capacidade de se colocar no lugar do outro, notadamente em razão do contexto social atual: uma sociedade que adota um sistema binário de gênero, dividindo as pessoas entre mulheres (feminino) e homens (masculino) - cada qual com um papel social definido e dotado de atributos específicos -, e que marginaliza e/ou estigmatiza os indivíduos fora do padrão heteronormativo.”

O longuíssimo voto faz uma distinção entre os conceitos jurídicos sobre sexo, identidade de gênero e orientação sexual, além de distinguir a transexualidade das demais dissidências existenciais de gênero.

Dignidade da pessoa humana

Segundo o ministro Salomão, a segurança jurídica pretendida com a individualização da pessoa perante a família e a sociedade deve ser compatibilizada com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

S. Exa. Lembrou no voto a realidade de violência vivida por transexuais no país, notadamente à vista da documentação apresentada – que revela incongruência entre o sexo biológico e sua identidade de gênero. A "transfobia" tem crescido no Brasil, país onde mais ocorrem homicídios de pessoas transexuais no mundo (689 mortes entre janeiro de 2008 e dezembro de 2014), segundo noticia a organização Transgender Europe.

De acordo com o relator, em muitos países já existe legislação que não condiciona o exercício do direito à realização da cirurgia de adequação sexual.

A recusa da alteração de gênero de transexual com base na falta de realização de cirurgia de transgenitalização ofende a cláusula geral de proteção à dignidade da pessoa humana. (...) A compreensão de vida digna abrange, assim, o direito de serem identificados, civil e socialmente, de forma coerente com a realidade psicossocial vivenciada, a fim de ser combatida, concretamente, qualquer discriminação ou abuso violadores do exercício de sua personalidade.”

Dessa forma, destaca no voto, a exigência de cirurgia para viabilizar a mudança do sexo registral "vai de encontro à defesa dos direitos humanos internacionalmente reconhecidos - máxime diante dos custos e da impossibilidade física desta cirurgia para alguns -, por condicionar o exercício do direito à personalidade à realização de mutilação física, extremamente traumática, sujeita a potenciais sequelas (como necrose e incontinência urinária, entre outras) e riscos (inclusive de perda completa da estrutura genital)".

O voto do ministro Luis Felipe Salomão foi seguido por três dos quatro colegas de turma, garantindo ao requerente o direito de mudança do registro civil.

· Processo relacionado: REsp 1.626.739

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4 Comentários

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Muito correta a decisão vai ao encontro dos anseios de dignidade da pessoa humana. Mas há que se tomar cautelas em cada processo - pense-se em um bandido procurado que coloque ácido em suas digitais (situação que vem se tornando frequente) e que se faça passar por transexual para obter nova identidade. Em cada caso concreto deve-se tomar a devida cautela. continuar lendo

Com todo respeito, mas essa "possibilidade" me parece muito anedótica (e um tanto fantasiosa) para se pensar como uma regra a ser observada. É muito mais fácil pensar que tal "bandido" vá se utilizar de uma identidade falsa (como aquelas que são utilizadas ao comprar documentos falsos no mercado negro) do que fazer uma mudança de nome que não elimina o "rastro de papel" de sua identidade original. continuar lendo

Prezado Bruno, realmente, eu, com três décadas de atuação no meio jurídico, já encontrei seis casos de pessoas com ácido nas mãos querendo autorização para novo registro porque se "perdeu" documentos - consulte sites de jurisprudência que você observará que há casos e casos que não são tão "anedóticos" assim. Insisto o que você chama de "possibilidade" existe e é real - os bandidos estão cada vez mais organizados e encastelados em seus nichos (várias organizações criminosas) - a utilização de ácido para as digitais se justifica dizendo que se foi minerador, farmacêutico, químico, que se sofreu acidente etc. Eu vi casos em que isso aconteceu - insista-se, muito mais de uma vez. Isso me lembra Tolkien quando assevera que muitos homens viram invernos demais outros invernos de menos, talvez eu seja mesmo um dinossauro (kkk), mas o risco é real. E não falo por ativismo, muito ao contrário, acho válida a orientação da jurisprudência em testilha, mas repito, há que se ter cautela em tais processos. Pelo óbvio que existem inúmeros casos legítimos, que são a maioria esmagadora, mas isso não justifica que se analisem tais processos, sem cautelas mínimas - apenas isso, o que eu quis dizer - do contrário, alguns pensarão em ficar com a "ficha limpa", dizendo-se transexual, denegrindo o gênero, para, por exemplo, não pagar mais suas dívidas ou criar um nome social diverso, um bem comum, ex. Maria Silva, para depois dizer que nunca teve CPF e tirar um novo. Como digo para meus alunos em aula, o mundo é um lugar muito perigoso para se viver. Grande abraço, obrigado pelo comentário. continuar lendo

Que a possibilidade existe eu não tenho dúvidas, mas daí acreditar que o sujeito vai "trocar de sexo" no documento e passar a se identificar como mulher (ou homem dependendo do caso) acreditando que não existirá uma decisão judicial que ligue o nome anterior ao novo nome me parece um tanto quanto forçoso. Como disse, é mais fácil utilizar de uma identidade falsa que alegar que a pessoa é um transsexual. continuar lendo