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20 de Abril de 2024

Justiça americana debate a compra de casa assombrada

Publicado por Flávio Tartuce
há 9 anos

Por João Ozorio de Melo

A maioria dos estados americanos tem leis que garantem uma tranquilidade razoável a compradores de casas: o vendedor — ou o agente imobiliário — deve informar ao comprador sobre “defeitos materiais” dos imóveis. Uma propriedade à venda pode ter, por exemplo, uma infestação de cupins (as casas americanas são quase sempre de madeira), uma rachadura na parede do porão, fiação defectível, fundações afundadas ou qualquer problema que desvalorize o imóvel.

Uma casa assombrada desvaloriza o imóvel? Alguns juízes, em alguns estados, dizem que sim. Qualquer “defeito emocional” pode estigmatizar a propriedade e, portanto, desvalorizá-lo. E não são apenas fantasmas vivendo no sótão, fazendo incursões noturnas pela casa, que causam um impacto emocional. Casas onde ocorreram suicídios ou assassinatos violentos podem sofrer o mesmo efeito.

Mas essas teorias jurídicas estão longe de ser um consenso entre os juízes. E decisões opostas podem ir de um tribunal para outro, ou de uma instância para outra. Tudo porque as leis são imprecisas. Seus textos nunca definem com clareza o que é “defeito emocional” ou “uma propriedade impactada psicologicamente”. Sequer diferenciam uma situação de outra.

Elas às vezes tentam, mesmo que de forma arbitrária. A lei da Califórnia, por exemplo, diz que suicídios ou assassinatos violentos estigmatizam a propriedade, se aconteceram em um período de três anos antes da data da venda do imóvel. Por que não três anos e meio? Não pode. Se o caso ocorreu há três anos e um dia, ou se há assombrações, o vendedor ou corretor só é obrigado a confirmar os fatos se for explicitamente perguntado, de acordo com o site Mental Floss.

Isso leva à questão subsequente: o que, exatamente, os vendedores de casas, incluindo os agentes imobiliários, devem informar — ou não precisam informar — a compradores interessados? Sangue escorrendo pela parede em determinadas noites? Barulhos de correntes se arrastando... Paredes que vibram... Ruídos fantasmagóricos inexplicáveis... Vultos que se movem, imperceptíveis à visão clara... “Poltergeist”?

No caso de fantasmas, sim, decidiu um tribunal de recursos do estado de Nova York, que decidiu o caso (Stambovsky v. Ackley) de uma mansão assombrada. Em primeiro grau, o juiz havia decidido que não. Porém, por 3 a 2 votos, o painel de juízes do tribunal de recursos concluiu que o juiz de primeiro grau não percebeu bem o problema de fantasmas rondando uma casa.

O fato é que a proprietária da mansão, Helen Ackley, propagava há anos que a mansão era assombrada. Para começar, ela comprou sua casa vitoriana, grande e antiga, em uma área do estado famosa por seus lugares assombrados. Era uma paragem do legendário “Cavaleiro sem Cabeça” (“Sleepy Hollow”). Na verdade, ela se gabava de haver visto vários fantasmas — incluindo um que lhe deu permissão para pintar a sala principal da mansão com uma cor diferente da original. Ela foi entrevistada por jornais e teve sua história publicada na Rider’s Digest.

No entanto, quando decidiu vender a mansão, ela se calou sobre as companhias fantasmagóricas de que desfrutou na casa. Vendeu para Jeffrey e Patrice Stambovsky por US$ 650 mil e recebeu, imediatamente, uma entrada de US$ 32,5 mil. Quando o casal contou ao dono de um armazém que compraram a propriedade, ele retrucou: “Ah, vocês compraram a mansão assombrada?”

O casal não tinha qualquer vontade de reviver “Poltergeist”. Quis desfazer o negócio, pegar a entrada de volta, mas Helen Ackley foi inflexível: “Vocês já são os donos da mansão, com tudo o que ela tem dentro”. Apesar de ela insistir que não fez nada de errado, os Stambovskys a levaram à Justiça.

O tribunal de recursos mandou desfazer o negócio e devolver o dinheiro. Decidiu que, apesar de não se saber se fantasmas existem ou não ou se a mansão era realmente assombrada, o fato é que a casa foi abertamente apregoada, durante anos, como uma casa que abrigava fantasmas, camaradas ou não.

“No passado, a senhora Ackley alimentou, deliberadamente, a crença de que sua casa fora ocupada por fantasmas. E, portanto, ela falhou em informar sobre esse atributo da casa ao casal comprador, que não vivia na cidade e que, por isso, não poderia saber que a propriedade tinha esse defeito emocional, que a desvaloriza”.

É verdade que, na maioria dos estados, os compradores têm a obrigação legal de contratar inspetores para procurar por “defeitos materiais” ou qualquer tipo de defeito. E, em muitos casos, estabeleceram que os compradores devem perguntar aos compradores, defeito por defeito, se a casa tem algum problema — uma espécie de interrogatório completo.

Porém, escreveram os juízes na decisão, no caso de uma casa assombrada, quem o comprador vai chamar? Um paranormal, um vidente, um médium, uma equipe de caça-fantasmas? Assim, os Stambovskys conseguiram cancelar o negócio e receber o dinheiro de volta. Mas não demorou muito e a senhora Ackley vendeu a casa, provavelmente por alguém interessado exatamente em uma mansão assombrada.

Palco de tragédia

Em Massachusetts, a Justiça tem outro parecer sobre a venda de casas assombradas. A possibilidade de uma casa ser “psicologicamente afetada” — como por qualquer força sobrenatural — não é considerada um “fato material com exigência de ser informado ao comprador”. Na Virgínia, atividades fantasmagóricas só devem ser informadas ao comprador se, de alguma forma, afetarem fisicamente a propriedade. Ou se houver alguma “manifestação física”.

Na Pensilvânia, um caso (Milliken v. Jacono) chegou ao tribunal superior do estado, em julho. Em 2006, Kathleen e Joseph Jacono compraram uma casa em que um homem matou a mulher e suicidou. Em 2007, o casal vendeu a casa a Janet Milliken, sem falar nada sobre o assassinato seguido de suicídio. Mais tarde, a compradora processou os vendedores, mas perdeu. Já em primeiro grau, o juiz decidiu que os vendedores não tinham obrigação de informar a compradora “sobre o estigma psicológico que afetava a propriedade”. Para o juiz, “ainda não estamos preparados para aceitar que tais fatos constituem um defeito material”, de acordo com o Jornal da ABA (American Bar Association).

Falha em informar

O site Legal Match dá uma ideia geral, a mais prevalecente nos Estados Unidos, sobre essa discussão jurídica no país:

"O que é uma falha em informar?"

Uma grande fonte de litígio no país, recentemente, tem sido a falha em informar defeitos materiais de uma propriedade. Exemplos de defeitos podem ser rachaduras na parede ou na fundação, vazamentos no telhado, infestação de cupins, entre outros. Além disso, a existência de ameaças ambientais, violações à servidão ou ao zoneamento devem ser informadas.

"O que é defeito material?"

Qualquer fato que pode ter um impacto significativo e razoável no valor de mercado da propriedade é material.

"O que é o dever de um vendedor?"

Um vendedor pode ser responsabilizado por danos se ele não dá as informações apropriadas. O vendedor: 1) tem o dever de informar ao comprador sobre quaisquer defeitos materiais na propriedade; 2) não pode esconder quaisquer defeitos materiais do comprador.

"O que é dever do comprador?"

O vendedor só pode ser responsabilizado por falhar em informar se o comprador exerceu uma diligência razoável ao inspecionar as condições da residência. Isso pode incluir contratar um especialista para inspecionar a casa. O comprador não pode processar o vendedor mais tarde por defeitos materiais que ele deveria ter identificado na inspeção preliminar ou que ele sabia antes de fechar a transação.

"O que é o dever de um corretor?"

Como o vendedor, o corretor de imóveis também tem obrigações: 1) deve informar ao comprador sobre todos os defeitos materiais conhecidos; 2) deve informar sobre qualquer limitação na capacidade do vendedor de concluir a transação; 3) não tem o dever de conduzir uma investigação independente da propriedade ou da capacidade financeira do vendedor para verificar a precisão das declarações do vendedor.

"O que o comprador deve fazer se descobrir algum defeito material após a compra?"

Procurar um advogado. Um profissional experiente, especializado em legislação imobiliária, pode esclarecer os tipos de defeitos materiais que deveriam ser informados e representar o comprador em corte.

Vendas de automóveis

A legislação que obriga vendedores a informar compradores sobre defeitos materiais vale para a venda de automóveis e outros produtos em que sua aplicação se justifica. Porém, no caso dos automóveis, as revendas de carros usados encontram uma solução em uma figura jurídica mais antiga: uma advertência de que o carro é vendido como está, sujeito a defeitos. Assim, ao percorrer o estacionamento de uma revenda, se observa que todos os carros têm uma placa que diz: “AS IS” — isto é, “do jeito que está”. Com isso, não têm de informar o comprador que a transmissão do carro está por quebrar.

No caso de outros produtos, como os vendidos em supermercados, a legislação básica de defesa do consumidor nos EUA adota o princípio da “garantia implícita”. Um supermercado, por exemplo, dá uma garantia não escrita, não falada e sem contrato ao consumidor de que o produto é bom, de boa qualidade e pode ser consumido. Mas o consumidor entende que o produto será usado apenas para o propósito para o qual foi fabricado. Qualquer um que quebre essas condições perde a razão.

João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.

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8 Comentários

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Salvem as criancinhas!

A Justiça americana é tão eficiente, que acaba de romper uma barreira metafísica e confirmar que fantasmas existem.

Sim, pois ao considerar que o vendedor tem o dever de informar ao comprador que a casa é assombrada, a existência de fantasmas é pressuposto lógico para se estatuir o dever de informação.

Seria interessante se tivessem convidado o Padre Quevedo como "amicus curiae" nessa questão. continuar lendo

A justiça americana é tão eficiente que se dá ao luxo de julgar esse tipo de causa. Aqui no Brasil a justiça é tão lenta e morosa que em muitas vezes as partes viram assombração e as causas não são julgadas. continuar lendo

Pelo que entendi da matéria, não é o fantasma em sí que gera a desvalorização do imóvel, mas sim a condição emocional vinculada. Com fantasma parece não fazer muito sentido, mas quando se lê o trecho sobre suicídios e assassinatos parece bem interessante esse ponto de vista. continuar lendo

É interessante como brasileiros conseguem distorcer as informações, Dr. Vitor Guglinski. Pois, em nenhum momento se afirmou a existência de fantasmas, mas sim, a condição emocional vinculada ao imóvel.
A justiça dos EUA é muito séria, tanto que lá se consegue discutir algo que no Brasil soa como piada. Não somos sérios e tentamos ridicularizar povos civilizados. Ridículo e digno de jocosidade, Sr. Vitor Guglinski, é esperar mais de 02 anos para se julgar, por exemplo, uma simples ação reintegratória. continuar lendo

O hallowen na justiça americana, foi animado pelo visto. He, he. continuar lendo

Texto absolutamente interessante. Os norte-americanos realmente levam a sério história de fantasmas, o que para nós parece absurdo. Adoro assistir "minha história de fantasma" , "famosos e fantasmas" , do canal Lifetime, onde aparecem diversas equipes de investigadores paranormais, que na maioria das vezes são formadas por pessoas movidas meramente por interesse ou curiosidade, pelo pós vida ou pós morte, vai saber. Assisti uma série com doze episódios, que tratava só sobre casas mal assombradas chamada de "The Haunted Houses", no National Geographic onde acontecia exatamente o que está descrito no texto, uma família usava todas as suas economias na compra da casa dos sonhos, para no fim descobrir que a casa era assombrada por espíritos malignos; a família então saia corrida de lá, colocava a casa à venda, às pressas, sem avisar aos próximos compradores da situação (é fato!), porque havia investido todas as suas economias na compra dessa tal casa e não queria perder dinheiro. Esta parte eu nem estranho. Um abraço aos comentaristas Jusbrasileiros. continuar lendo

Uma das matérias mais inusitadas e interessantes que já li aqui! Bacana, daria um belo filme - sempre gosto de mistura "terror-tribunal". continuar lendo